Sorry, não farei mochilão.

Bernardo Kircove
blog du K.
Published in
3 min readMay 3, 2015

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wan·der·lust
ˈwändərˌləst
noun
a strong desire to travel.
“a man consumed by wanderlust”

INSTAGRAM, 3 de Maio de 2015.

Praia tailandesa, areia branca, mar anil, mochila nas costas. Uma GoPro 3 disparou o clique, sem aparecer o bastão, que agora é brega. Legenda: “not all who wander are lost”. Ou “to travel is to live”. Talvez “perder-se também é caminho”. Janela escancarada para a incrível geração que sabe viver (e você não sabe, trouxa).

Bastasse perpetuar o mito da felicidade, parece que chegou a hora de fazer você se sentir mal por estar onde está e ir no mesmo boteco todas as sextas, com as mesmas pessoas — que aliás você gosta tanto que não faz sentido nenhum ir embora.

Depois dos Yuppies sugarem suas juventudes para escalar a escada corporativa, impressão minha é que vivemos uma pressão contrária. Se antes você precisava trabalhar muito, porque grana é o que importa, agora você precisa viajar muito, porque experiência é o que importa. Ignora-se, às vezes, o fato de ambos estarem correlacionados.

Você NÃO PODE desperdiçar sua vida fazendo sei lá o que você está fazendo. Perder-se é caminho. A jornada é o que vale. Você PRECISA conhecer um lugar diferente todo ano. Porque é isso que faz sua vida ter algum significado. Não seja quadrado. VIAJE.

Neste contexto, uma das coisas que me incomoda é o fato de que gostar de viajar pra mim é igual a protestar contra a corrupção. Você já ouviu alguém falar que não gosta de viajar?

A outra é minha impressão de que há um conflito de significado quando as pessoas se auto-proclamam cidadãos do mundo. Certa vez, conheci um australiano que estava morando no Brasil. Alguém perguntou “por que você veio pra cá?”. “Eu sempre quis morar no Brasil, então eu vim morar no Brasil”. Ele não tinha emprego aqui, passagem de volta, nem hospedagem garantida. Ele morava no Brasil porque isso era o que ele queria fazer. Alguém respondeu, “eu sempre quis morar na Austrália”. “Então vai” — retrucou ele. “…” foi a resposta. Percebe aqui a sutil diferença?

Então, amigo(a), eu detesto ser a pessoa a lhe falar isso, mas você não pertence ao mundo. Você só tem dinheiro, tempo e vontade de sobra para passar dois meses viajando pelo leste asiático.

Agora, importante frisar que eu não tenho nada nada nada contra as pessoas que vestem esse estereótipo. E sim, eu acho que algumas pessoas podem gostar mais de viajar que as outras. Mas, assim, não faça um escarcéu em cima disso. A maioria das pessoas também gostaria de estar em um hostel bacana de Praga agora.

Escrevo isso de um escritório compartilhado, em um domingo. Tem umas dez pessoas aqui, trabalhando, e todas elas parecem felizes pra caramba. Será que preferiam estar em Barcelona? Provavelmente, Barcelona é legal demais. Mas estão aqui, sorrindo ou não. Assim como o mochileiro em Bali, que vai saber se no momento ri ou chora.

Pare de tentar me ensinar a viver porque você tem mais carimbos no passaporte. Nem todos que viajam são felizes. Nem todos que ficam são tristes. A vida é assim: complicada que só ela.

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