Egotrip pós-moderna

Bernardo Kircove
blog du K.
Published in
3 min readJan 26, 2014

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selfie (self + ie)

  • a photograph that one has taken of oneself, typically one taken with a smartphone or webcam and uploaded to a social media website:occasional selfies are acceptable, but posting a new picture of yourself every day isn’t necessary

O privilégio de não depender desta escrita para minha vida me permite tocar o blog no meu timing particular, no lugar do oportunismo dos assuntos em voga. Como sempre, então, cuspo aqui minhas palavras tempos depois de quando as mesmas fariam algum sentido temporal.

No fim de 2013, selfie foi eleita a palavra do ano pelo Oxford Dictionary — talvez o catálogo de verbetes mais importante da língua onipresente nas interações sociais do século XXI.

obama-selfie

Junto com o anúncio do dicionário inglês, vieram as enxurradas de publicações condenando o caráter egocêntrico da nossa geração, corroborando algo que já era falado amplamente: nós, criados no ambiente online a leite com pêra, não passamos de sujeitos que olham apenas o próprio umbigo — e com frequência compartilhamos uma foto do próprio nas redes.

Verdade seja dita: é raro que alguém esteja interessado num retrato seu, tirado por você mesmo e amenizado pelo filtro Valência. Mas é isso que nos faz uma geração egoísta?

Não. Já passou da hora das pessoas entenderem que o mundo online não alterou o caráter humano. O mundo online catalisou nós mesmos; escancarou nossas relações e as multiplicou por um número que tende ao infinito. Isso mudou nosso comportamento, mas não nos mudou intrinsecamente.

Qual é a pessoa com quem o indivíduo se relaciona desde rebentado até entregue às minhocas? O indivíduo próprio. Possivelmente, a relação mais complexa que teremos. Coloque ela no bolo do escancaramento coletivo das redes sociais e aceite que você irá vê-la diariamente, no formato de autorretratos filtrados. Assim como você vê um sem número de outras relações que você não via antes do ano 2000.

Pois bem, o mundo não está ficando mais egoísta, exemplificado pelas selfies. O mundo está egoísta como sempre foi, e é por isso que o mundo é a merda que sempre foi. Você pode me chamar de negativista agora, mas se metade do planeta não terá um teto pra dormir e um copo d’água pra beber hoje, este mundo é sim uma merda. Mas não fujamos do assunto.

É um pouco difícil aceitar isso, mas você é a pessoa mais interessante que irá conhecer em toda sua vida. O nível de conhecimento sobre seus próprios anseios e associações te faz essa pessoa.

Nós nos achamos tão interessantes que, vez ou outra, criamos outro eu para abrigar tamanha complexidade — e o batizamos de eu-lírico. Hoje, os meios são acessíveis por todo mundo e as ferramentas igualmente. Hoje, todo mundo tem um eu-lírico. Ele é aquela pessoa que estampa seu perfil no Facebook. Ele tem suas próprias características. Com ele, raramente as coisas vão mal, mas sabemos que o você de verdade não tem uma vida tão bacana quanto mostra sua timeline.

Voltando: nada mais normal querer, às vezes, mostrar a cara dessa pessoa tão interessante no Instagram ou qualquer lugar que seja. Talvez alguém concorde contigo. Talvez não.

Tomara que sim. bk

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